Caminhando um pouco ao léu pela Ciudad Vieja, um belíssimo pedaço de Montevidéu, relativamente bem conservado, com prédios de arquitetura inglesa ou espanhola que datam dos séculos XVIII e XIX, encontro, de pura casualidade, na Plaza Matriz, um velho amigo que já morou em Rio Grande do Sul.
Após os abraços e cumprimentos efusivos próprios de um reencontro depois de… dez anos? ou mais? e das perguntas de rigor: os filhos, os amores, o trabalho… a curiosidade toma o lugar começa um questionário sobre o andamento da regulamentação da maconha.
– É fácil conseguir?
– Quanto custa?
– A qualidade é boa?
… tens aí???
Ele não. Mas aquele cara, em uma banca que vende antiguidades, sim.
Sem qualquer cerimônia, sentado em um banco da mais bonita e antiga praza de Montevidéu, o amigo do meu amigo puxou uma seda e de uma caixinha tirou um “cogollo”, a palavra uruguaia que define o que no Brasil chamamos de “camarão”.
Nem sei quanto tempo fazia que não via maconha em estado natural…!
Fumamos conversando animadamente, sem qualquer receio, sem temor, sem paranoia.
Que sensação!
E que flores!
A conversa rola solta e pergunto:
– Se o Estado ainda não está vendendo e eu não planto, como consigo porro?
Meu amigo me explica:
– Os que não plantam ou não fazem parte de clubes, o que constitui o Mercado Branco, tem que recorrer ao Mercado Negro – os traficantes – ou ao Mercado Cinza… e dá uma risada.
– E que é o Mercado Cinza? – pergunto.
O Mercado Cinza é um composto de plantadores individuais não registrados que vendem seus excedentes e dos “cogolleros”, que são os ladrões de cogollos.
Sim, surgiu essa figura de ladrão especializado que, quando encontra uma plantação outdoor, fica de olho e, assim que as flores aparecem, pega o manotaço e leva quantas puder.
A maconha que estes caras vendem é, em geral, de baixa qualidade, pois é quase sempre arrancada antes de a flor estar suficientemente madura, e a secagem e curagem é precária.
Mais tarde, visitando outro amigo, fico sabendo que ele ainda não provou a cannabis nacional!
Como muitos dessa geração – os que estão entre os 50 e os 70 anos, que sofreram todo tipo de perseguição e mesmo punição – ele não confia na nova lei, não quer se registrar nem ser conhecido pelos consumidores registrados. Assim, continua comprando a velha maconha prensada, fedorenta de amônia e de baixa qualidade.
– Que acontece se, daqui a uns anos, muda o governo, assumem uns hiperconservadores e anulam todas as leis que liberaram a maconha e agora tem um cadastro nacional de consumidores e plantadores? – pergunta.
– Poxa! Eles não vão meter em cana 10% da população. – argumento.
Mas fico pensando… Na Guerra Suja, na Argentina, a Ditadura assassinou e torturou mais de 10% da população… sem contar que, apenas para prolongar o estertor de seu Regime de violência e sangue, mandou milhares de jovens à morte na Guerra das Malvinas, sem armas, sem roupas adequadas, sem preparo para enfrentar as bem treinadas e equipadas forças britânicas.
E isso faz apenas 35 anos…
Não dá para confiar na Institucionalidade latino-americana…